quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

lembranças miúdas V...

pequena prosa poética

Pelo tempo desarmada, trago estradas e atalhos a correrem-me p'lo rosto mas prossigo serena, abraçada à saudade e ao sonho que tiro da gaveta, sempre que preciso sonhar...a luz em mim se faz tanta, que separo as horas tristes, vivo as restantes, e calo a solidão, fica apenas aos meus ouvidos o chilrear e o bater de asas que passam rasando o telhado e me convidam a apanhar amoras, a bicar figos maduros, a respirar a brisa que vem do lado de lá do rio e é nesse momento que os meus olhos esbugalhados miram as chaminés fumegando, ali me deixo a olhar o fumo em direcção às eiras, o sol chegando, clara a manhã, a erva prateada e a água do rio espelhando...foi aqui! Aqui que nasci, bem no ventre deste lugar, coberto de orvalho, com o azul do céu lá p'las alturas e com as romãs a abrir como pássaros querendo sair das gaiolas...quantos viveram semelhante sonho? Quantos fruíram tal como eu deste sonho que foi crescer na natureza? Só mesmo esses saberão do que falo e desta minha saudade, assim como do meu apego às raízes, das saudades do largo da praça e a graça das cachopas do meu tempo com trajes domingueiros dirigindo-se à missa como se fossem princesas... na cálida tarde a luz reverbera, ao ouvido ainda soam as músicas bem distintas do açude moendo o trigo, e a voz do sino em repetidas carícias, em sussurros enternecidos, chamando o povo à reza do terço...e nos sentidos explodindo de saudade há ainda o cheiro das flores abrindo...volto à juventude e ao riso franco, sonhando sempre que preciso.

Assim saudades de mim!

1 comentário:

" R y k @ r d o " disse...

.Brilhantemente bem escrito. Deliciou-me ler.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Abraço