domingo, 19 de outubro de 2025

o que resta da infiel memória...


na parede da casa de branco caiada
desenha-se a minha sombra escurecida
e solta-se ao meu ouvido a palavra saudade
da juventude sonhada, 
p'las águas acariciada
que não mais me será devolvida

olho o sol nos canaviais
desperta-me do mais profundo
garras da memória provocando meus ais
dois tempos dois lugares
- meu mundo!

nestes lugares habita o sopro da minha voz
apesar dos anos decorridos
e apesar da solidão crescente
ainda trago nos sentidos,
a sombra do sol, morrendo no poente

e um tapete dourado se estende
irrompe na paisagem
a água do rio torna meu vestido transparente
como antigamente e,
a minha imagem
é como mistério, que se esconde
como enigma que ninguém sabe por onde

acato o destino
cai a noite na aldeia e também na minha vida,
nasce um poema pequenino
com palavras que amo de lembranças queridas
leio-o agora que termina
admiro-o como peça de relojoaria
é um sonho do meu tempo de menina
e enumera as pulsações do meu coração dia a dia.

natalia nuno
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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

palavras de existência...





as palavras seguem seu rumo
como água
procuram o rumor da tempestade
na ânsia de chegar ao mar
levam com elas a saudade
e não se deixam aprisionar

há palavras que são recordação
das nossas sensações
vestidas de insondável doçura,
seguem vestidas de lamentações 
ou de violência dura 
  

há palavras quando a solidão
é maior
faz-me companhia uma breve dor
às vezes «un je ne sais pas qua»
que me traz um alívio ligeiro
logo a saudade em chega primeiro

há palavras quando a sorte
nos abandona,
também quando ela nos corteja
vai-se escapando a vida, e assoma
a morte que nos beija

as palavras dormem em mim
em sossegado esquecimento
vão ouvindo os caminhos do vento
trazendo-me à alma o aroma do jasmim.

natalia nuno
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segunda-feira, 13 de outubro de 2025

onde deixei a lembrança?...



no sonho caminhei
pelos lugares da minha infância
perdida  me perguntei
onde deixei a lembrança?

que embaraço
- nem um abraço!

por ali os pássaros já não
anunciam madrugadas
nem surgem rostos aos postigos
e as mós dos moinhos estão paradas
onde estão meus amigos?

do sonho quem dera fugir
e da saudade que não
me liberto
sinto-me a exaurir,
sem a lembrança por perto

meus versos já trazem rugas
nos umbrais da sua inquietude
da saudade não conseguem fugas
e num reino de sombras
vivem amiúde

perco-me no passado, bem presente,
confusa neste mar de tempo
à distância,
perdida me pergunto
onde deixei a lembrança?

meu coração recolhe a dor da terra
que ficou deserto desde que a deixei
todos os recantos minha mente encerra
e a saudade no peito fez-se lei

meu olhar é farol que embacia
e meus sonhos vou reescrevendo
entrego-me à promessa que um dia
mais morta que viva, os lugares
estarei de novo vendo.

neste inventário de saudades
levo comigo a descrença
ficam nos versos verdades
e nas margens do rio o frio
e o vazio da minha ausência

natalia nuno
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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

entrega...



viaja a boca até à boca
alegria, loucura feitiçaria
e já a mão se desloca
cresce o desejo, esfuzia
no rosto a alegria

magia, o entusiasmo redobra
coisa louca, 
os beijos da tua boca
o meu corpo te cobra
que seja dia de festa.

e o que tem de melhor?
a entrega ao conquistador!

... e eu me entrego por amor. 💕

natalia nuno
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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

o tempo nos toca... pequena prosa



penso em como a felicidade nos fortalece, e a dor nos enfraquece à medida que o tempo passa...ver os filhos e os netos tornarem-se homens e mulheres, faz-nos abolir do pensamento a passagem do tempo , faz-nos perder a noção que ele passa e não perdoa, tocando-nos com a sua mão invisível, e quando nos apercebemos, os anos felizes e descuidados passaram, são agora como um rosário de penas rezadas.

natalia nuno

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palavras na hora...




perdida nas horas, onde tu és ainda,
morre-me o tempo de ti...

mas o sol não afrouxará
apesar das sombras.

natalia nuno
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o silêncio do meu inverno...





inclino-me sobre o espelho das águas amenas
e choro minhas penas
abrigo-me dos dias de frio
fico olhando o marulhar do rio
as águas desoladas pressentem minhas mágoas
e eu, como pomba que arrulha no ramo
segredo-lhes que existo
porque te amo

fica a vida lenta e sombria
e a luz do sol amarelenta ao anoitecer
do dia
lembranças saudosas são rosas e malvasias
no meu peito
há alegrias ingénuas e emoções mimosas
que quebram a solidão
as decepções e o desalento
as aves apagaram os gorjeios na margem 
do rio que corre em mim
esvoaçam no meu céu cinzento
em sombra e silêncio
do inverno que me esfria
e vão pousar longe no chão
ilusão...

onde ainda se veem estrelas, e restos de sonho
da minha juventude
rasgam-se meus dedos em vão
em estremecimento de primaveras passadas.

natalia nuno
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