sábado, 3 de junho de 2023

o peso dos dias...




o tempo vai tecendo suas teias
suga-me a memória e as ideias, 
fico descuidada e só
girando nas lembranças
vêm a mim imagens ditosas
e desato mais um nó.
passa a brisa do salgueiro
o riso do amanhecer, o rio a correr
e tudo o que amanhece vive em mim
belo, assim, da vida para a vida.

meus olhos são bagos maduros
trago neles o peso dos dias
e o desassossego dum silêncio 
ensurdecedor, no coração
o fogo retido dum grande amor.

afundo o olhar, para querer decifrar
o que ainda me sustém,
se o tempo sem memória
ou o que ainda à memória me vem.

natalia nuno
rosafogo


quarta-feira, 31 de maio de 2023

laivos da memória



as palavras saem dos lábios
e fogem, levando momentos
intensos de saudade,
de sonhos de vida, de quem acredita
na felicidade, 
de quem vive com  avidez
a vida, sem sequer esquecer,
que o tempo lhe traz fragilidade
caminha levando consigo pedaços
de recordação
cansados os passos.
crescem as sombras dentro de si
frágil é sua memória
amargo é o frio e a solidão
rotineiros no seu destino,
descansa o sorriso lá atrás
onde o tempo era ouro,
já nada a satisfaz, 
a vida é agora desatino.

passos que não parecem seus
embora ame o que foi,
é como dizer um último adeus
com um olhar que dói.
perdida a imagem
segue-a um vazio deslizante
igual àquele que nada possui,
nada aguarda,
mas traz ainda a coragem
de encarar a morte que não tarda.

natalia nuno
rosafogo





segunda-feira, 29 de maio de 2023

dura lucidez...



a manhã acende e o sol fulge na cal
branca das paredes, das casas
onde um dia houve vida,
há borboletas alegres abrindo asas,
e uma buganvília perdida.
as rosas vão desprendendo fragrância
por toda a aldeia, 
lembro a dourada suavidade da infância,
a tarde morna, a hora da ceia
a vida é um instante
as memórias não morrem
só o tempo ficou distante!
a gota de água que floresceu e caiu
no ramo mais firme da roseira,
era lágrima furtiva, que ninguém viu
a dureza da alma, o final do estio, 
chegando à minha beira.

apaga-se o ocaso
e a sombra ameaça
desvanece meu coração atormentado
a recordação me abraça
por perto o canto puro do rouxinol
e o sol, que fulgia nas paredes
brancas de cal
lembram a rapariga airosa, a tal
que hoje envelhece, desde então não vive
e no olhar já nada transparece.

natalia nuno