sexta-feira, 2 de outubro de 2015

nem pássaros, nem risos...



ali, só a desolação
ali... onde já nada acontece
em cada palpitação um grito
aflito...tudo se esquece
já não há medo nem nostalgia
acabou o dia, agora é noite
os morcegos sobrevoam o lugar
onde a vida é inexistência
dos telhados caem goteiras de angústia
é tempo de sombras e silêncio
é o vazio...
apenas o marulhar do rio
que há séculos corre, só ele
não morre, meu sonho hoje é negro!
negro de carvão, como se fosse condenação.

vá-se a noite obscura, que tanto dura
abutre que traz a morte,
corte em mim esta obscuridade
não atordoe a minha saudade.
meu coração se agita,
é ele que grita como encrespado vento,
porque a vida o leva no arrastamento
nesta noite sem fim, o sonho é dono de mim
fez-me saber que estou numa rua estreita
onde a morte me espreita.

natalia nuno
rosafogo



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

refúgio...


é ao espelho que entendo
o passar do tempo
no silêncio, olhando o rosto e vendo
o cansaço reclamando através dos
meus olhos
e a recordação quase soterrada,
cansada de chuvas e ventos
que assolam meus pensamentos.
olho  o espelho como uma estranha
que segue num reino de negrura,
acolhe-me a palavra tamanha
que chega até mim... e é ternura

sinto-me um ermo, fico ausente de mim
meu rosto permanece sombrio
e não há calor nem frio,
nem sentimento algum nesta hora
que me conforte, o coração chora,
o vento agita minha memória

e logo me refugio no esquecimento
como uma criança para quem a alegria
é imortal, esqueço a estranha, e a
realidade, deixo-me de volta na saudade...
palpita de novo em mim um mundo
de esperança
e eu prolongo o meu voo
por espaços onde não há dor...

o peito salta, sabendo-se vivo.

natalia nuno

uma luz matinal





pequena prosa

vou fatalmente falar de lembranças, pois que mais poderia ser!?

a luz matinal já ilumina as águas do rio que se precipitam açude abaixo, como uma lágrima imensa derramada  nos nossos rostos como uma canção que nos deixa uma promessa de frescura cristalina, o aroma que palpita no ar essa embriagadora essência é da flor de laranjeira, de tanta laranjeira que perfuma a aldeia…nas paredes brancas da casa uma buganvília persiste e não quer desistir, prossegue o seu destino e em cada primavera se agarra à vida, apesar da tristeza que vem de dentro dessas paredes, e eu tão inteira assisto a tudo isto com um silêncio de medo que me aprisiona a alma crendo com pesar que já nada é o que era, os salgueiros contam-me coisas incríveis, eles que assistem a tudo que se passa durante quatro estações, que veêm nascer e morrer, que amanhecem em lágrimas de orvalho, que olham a terra e se precipitam sobre as águas do rio, eles os loureiros tão velhos quanto eu falam-me do passado, fazem parte de mim como o sangue que me corre nas veias e estão sempre nos meus sonhos, contam-me mágicas histórias como em criança, quando a vida ainda era um poema d’amor…os pássaros hoje estão ocultos e eu orfã de mim mesmo…

natalia nuno
rosafogo
aldeia 4/2015