sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

o vazio da hora...

o vazio da hora
uma fingida tranquilidade
já é vaga a memória
nela a semente da saudade
meu coração implora
sair das nuvens de tempestade
recuperar tempo perdido
continuar pela vida enamorado
trazer nele amor consentido
amor sempre multiplicado.
no vazio da hora
o viver já me é pesado.

no vazio da hora
sonho a vida inteira
p'la tarde e noite fora
minha cegueira é companheira
e meus dedos vão desenhando
palavras, pétalas de flores
varridas pelo vento, acalentando
o coração e o pensamento.

depois do meio da vida,
vai-se a energia, a alegria
e as certezas de tudo e de nada
fica a vida dividida e sufocada
a memória a perder-se
o que somos então?
a lembrança doutra era
uma voz que emudece,
o coração casa vazia
esquece, que é esta a história
do nosso dia a dia,
debruço-me sobre a aurora
esqueço o vazio da hora
antes que o sonho se acabe
abraço a tranquilidade.

natalia nuno

poema tardio...



quando escrevo em momentos
de solidão
- é como se rezasse uma oração!
nos pensamentos, o murmúrio das águas
que a minha alma comove,
e a lembrança da criança
que ainda escreve saudade no vidro 
da janela, quando chove,
com os olhos húmidos,  neste
silêncio cortante, vou balbuciando a prece
enquanto não surge a madrugada
a minha mão vai talhando palavras
livre como o vento, 
esquecendo a vida agitada

este poema tardio
surge numa noite negra onde o frio
se entranha no corpo e na alma
só o teu corpo é quente
e a tua boca ardente
descubro que existe uma fogueira
que ainda arde, para amar nunca é tarde.
na solidão da minha mão,
as palavras teimam em falar de ti
do encantamento que no peito
me vai e dele não sai.
foi ontem que descobri
que ao chegar aqui
há lembranças que fizeram ninho
e outras que  esqueceram o caminho

natalia nuno



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

frágeis memórias...




no lusco-fusco da mente
há hortas iluminadas pelo sol
e um riacho doce que canta
como se gente fosse.
uma ribeira a outra ribeira se junta 
e eu fico a escutar o som das águas
que seguem rumo ao mar
deixando nas margens mágoas.
das moças que ali foram lavar.
uns se foram, outros vieram
e todos disseram do seu amor à terra,
a natureza a renovar-se o mistério que encerra
a bruma sobre a nossa pele escorre
é lembrança que não morre.

desafio a mente
a lembrar as ruas estreitas
a criançada, domingo de casamento,
os sinos que ainda tocam meu pensamento
e meu coração sente
que é dia festivo, que ainda ali vivo
vou de cântaro à cabeça,
avanço resoluta por entre os homens
na praça, que largam sempre uma chalaça.
a minha imaginação procura em vão
encontrar a mãe, o pai e a avó também,
mas na horta iluminada pelo sol
já não se encontra ninguém.
«na cálida tarde a luz reverbera»,
sento-me à beira da estrada, 
estou numa encruzilhada, olhar turvado,
de nada me serve a espera...
foi só, mais um sonho inacabado.

natália nuno
rosafogo

lembranças miúdas...



na dureza do chão, sentada, colhia bagos de uva branca até o sol afrouxar e os comia ali mesmo...
num tempo, quando ainda sem saber o porquê da solidão, quando trazia em mim ainda a palavra hesitante, e nem percebia porque era feliz, vivia serena na pequena abundância... corriam os dias como a água do rio, sem que a teia do tempo nos incomodasse a (nós crianças), só nos importava o cheiro das coisas boas...pão no forno a cozer, a sopa da mãe a fumegar, o café de cevada da avó nas brasas da lareira...assim se abraçava a vida, se aguardava a cada manhã o calor do sol, a chegada da chuva, o milagre das sementeiras e o luar das noites brandas e serenas de namoro, tão propícias ao amor... e eu lá, na magreza do corpo, ensopada em sonhos, rimando quadras singelas, na sede de procurar algo em mim, que me adoçasse o caminho, afogada em esperanças que inda hoje ninguém me consegue roubar, são elas a frescura com que sempre recomeço a talhar novas palavras...com candura, como se plantasse urze ou alecrim...saudades de mim!

natalia nuno
rosafogo
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