sábado, 25 de julho de 2020

na solidão...



quando é evidente a solidão, nem levo a sério se dizes que me amas, o eco da tua voz fica na noite que desce sobre mim...faz fronteira com o inverno que me envolve, mas traz-me uma fugaz esperança ao coração, que obstinado ainda te quer ouvir...

natalia nuno
rosafogo

terça-feira, 21 de julho de 2020

diz-me tu...



olho o horizonte com lentidão
olho as sombras fatigadas da tarde
inquieta-se a minha imaginação
e nos meus olhos irresistível saudade
há um silêncio ensurdecedor
ao meu redor, sobeja um tempo duvidoso
os meus dias são folhas sem vida
e eu confundida nem lembro,
se é já Outubro ou ainda Setembro
se entrei no inverno e me sentei
à espera de lembrar tudo o que esqueci
nos dias lentos de Setembro
e se de mim não lembro?
- lembro de ti!

lembro do Maio florido
onde tudo era possível querendo,
lembro a ventura, o sonho apreendido
hoje olho o sol no horizonte morrendo,
e já não lembro porque de amor por ti
morri...
dize-me se fores capaz, se ainda tenho o meu lugar
se não anda longe de ti meu coração
se o teu ainda vive para me amar
dize-me se fores capaz, que já não lembro não!

natália nuno
rosafogo

domingo, 19 de julho de 2020

.o avô da corrente d'oiro...



há um retrato pendurado
na parede
a fazer lembrar alguém
fico olhando, fazendo frente
mostrando não ter medo
de ninguém...
mão na ilharga
corrente d'oiro
dizia a avó com voz amarga
teu bisavô homem às direitas
homem de semeadura e de colheitas.

olhava-me com um olhar desaprovador
como se bem me conhecesse
mas no fundo lhe tinha amor
embora porquê, não percebesse.
era tão pequena, irrequieta...
é imagem da infância que trago
comigo,
a criança que não pára quieta
e a foto pendurada na parede
com ar sério a olhar
e às vezes até eu desesperar.

enquanto eu crescera
olhámo-nos umas centenas de horas
e os anos passaram num abrir
e fechar de olhos
é difícil conseguir
esquecer
esse avô da corrente d'oiro
que com ar severo me olhava,
mas que eu amava...
sem saber porquê.

vivíamos em mundos distintos,
suponho!
mas ele sempre vive no meu sonho.


natalia nuno
rosafogo



Piação...


PIAÇÃO (*)
"Gosto de coisas simples.
Simples e belas!"
Versos iniciais do "Velho poema", de Natália Canais Nuno.
*******************
Quando os dedos da mão, que escrevem,
estão unidos pela memória e pelo amor,
a que tantos chamam saudade,
à terra dos solilóquios e das imagens amarelecidas,
é porque as sombras escrevem em segredo
cantatas alegóricas
cujo valor não se traduz em notas de banco,
mas em desbragados baloiços de vai-vem,
como o rumorejar das noras ou o chiadoiro das picotas,
no dealbar duma noite que chegava sempre tão mansamente
que o sono era bálsamo de refrigério
para sonhos com alcatruzes por dentro
e uma paz infinita ao redor.
Quem canta com a voz das coisas simples
- simples e belas -
jamais morrerá de véspera,
ainda que a voz lhe falte e a luz se apague.
Um sol se haverá de erguer na perpendicular da ventania
e um luar virá empoleirar-se na cortina do olhar,
tão manso e suave e fofo,
que ficará para sempre, como água lavada
dos rios da eternidade.
Das coisas simples, simples e belas,
é que explodem rosas em botão,
andorinhas nos beirais,
garças no suadouro dos charcos,
libelinhas na encruzilhada das enseadas,
joaninhas na azáfama dos silêncios,
louva-a-deus na docilidade dos silêncios frugais.
E simples e belas perfumam o tempo,
adornam o espaço
e dão realeza à transfiguração dos elementos.
Morrem e renascem sem pedir licença
e tingem de sons a sobriedade infinita dos dias.
Parta quem parte.
Fique quem fica.
A vida, é arte,
infinitamente rica
nas coisas simples...
Simples e belas!
Em 19.Jul.2020
PC
Imagem Google
Poema do meu amigo e conterrâneo Paulo César que muito admiro e estimo, que se inspirou neste meu poema:

Velho Poema

Gosto de coisas simples
Simples e belas!
Gosto dos raios do sol
que me entram pelas janelas.
e de ver os pinheiros a crescer
debaixo delas.
Gosto das flores silvestres
De velas de pavio aceso
Gosto dos montes agrestes
E das capelas onde rezo
Gosto de acácias em flor
Da calma das noites serenas
Amo tudo com o mesmo amor,
Coisas simples e pequenas.
Gosto de cantar
à roda da fogueira
Gosto da chuva lá fora,
Gosto da lenha a crepitar
Do gato a ronronar à minha beira.
Das conversas à lareira.
E sempre que Deus queira
me hei-de lembrar,
das coisas simples da aldeia
da avó fazendo meia
do moinho rodando a mó
do milho ficando em pó
da colcha velha na relva a corar,
do cloreto pra branquear
do duche tomado no rio
do avô que partiu no navio.
Gosto das coisas simples, talvez
porque simples Deus me fez,
gosto do naperon sobre a mesa
da jarra de flores amarelas
gosto da natureza,
em tudo encontro beleza
gosto de cortinas nas janelas,
gosto de ouvir os galos cantar
duma concertina a tocar
gosto até dum arraial
Há gente que acha tudo isto banal!
Talvez eu tenha enlouquecido
mas tudo isto me é querido.
Gosto do sino da torre da igreja
e gosto das sombras por onde leio as
horas,
gosto daquela amiga que me beija,
que encontro quando apanho as amoras,
Gosto dos telhados com pardais
gosto do mistério que traz o anoitecer
gosto por demais
das fotografias nas molduras
de relembrar as rapaduras,
nada morre na lembrança
nada passa dos meus sentidos
nem a presença da morte e os gemidos
tudo recordo de criança.
Por isso gosto de coisas simples,
como estes versos
ainda que não gostem deles, não me deixo
entristecer,
podem ser controversos
que me importa? Se é a minha maneira de ser!
E quando de todo enlouquecer,
ainda assim de coisas simples vou gostar
vou ficar silenciosa na minha rua
vou estar atenta ao chegar da lua
e vou fazer rimas com amor
como um bom trovador.
E meus sonhos hão-de vir pé ante pé
pois sou senhora de fé
que assim há-de acontecer!
Vou sonhar com o rio e os salgueiros
com os laranjais e os cheiros
do pão no forno a cozer...
e depois os meus olhos ainda hão-de ver
a madrugada a romper
e hei-de fazer versos
e mais versos
até os dedos ficarem com sono,
até ser de novo outono
onde meu coração ferido
seja um ramo de árvore despido.
Ainda assim estarei viva para escrever,
coisas simples é bom de ver,
e para fazer amor assim simples como
simples são as coisas da vida.
da vida...por mim vivida!
natalia nuno