sábado, 12 de dezembro de 2020

na nobreza das tardes...



domingo era findo!
chegava a segunda-feira
e ao entardecer acabava eu de nascer
era janeiro, esse mês primeiro
tempo de guerra, tempo de morrer
nascia eu na pacata terra
quando o rio galgava as margens
o vento assobiava nas ramagens
do salgueiro, a ponte tremia
tempo cinzento saí do ventre era meu dia
o primeiro, uma criança é sempre sinal de esperança
os sonhos logo ali me povoaram
trazia amor para dar e logo me amaram.
aos meus ouvidos a chuva batia no telhado
logo despertam meus sentidos
ali fiz a primeira poesia, era meu fado.

os sinos repicavam avé-marias
todos os dias, na nobreza das tardes
e as crianças em correrias
no seu universo imagínário, viviam  
suas verdades...
traziam a aldeia apertada ao peito
também eu ainda a sinto, mesmo ausente.
não há outro céu azul!
nem outro tão belo sol-poente.

trago em mim esta nostalgia visceral
ouço o salgueiro chorar, e o vento
no canavial, saudade do velho açude,
do moinho, da horta, das flores da mãe
da liberdade, de ser eu de verdade.
tudo ao tempo resistiu,
a ponte, o salgueiro e o rio
e até a menina de cintura fina
e pescoço esguio
parecendo flor, continua a sonhar
na sua memória ainda há grilos a cantar
figos na eira a secar, tanto cansaço e á terra amor,
com a frescura do orvalho vai trocando rimas
sempre a nascer,
até um dia de si mesma se perder.

natalia nuno
homenagem ao lugar onde nasci.


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

lágrima a secar no rosto...



cheira a liberdade e a ânsia de vida
o sol nasce e jaz nas minhas janelas
passam andorinhas e ao ver-me recolhida
voam, e eu vôo no sonho com elas.
sonho-me em campo de trigo em terra distante
grão fecundo ali no meu chão amante
grão de silêncio que vive em mim 
a liberdade de sonhar me mantêm viva
neste amargo mar que me agonia e não tem fim.

asas me prendem, sinto-me cativa
sinto o corpo hirto ao fim do dia,
vem a chuva molhar a minha face
e é minha única companhia.
o amanhã surge sem garantia
a vida de tantos dias tão cheia,
que já de lembrar me esqueço!
oculta ferida que sangra em minha veia
nada que eu queira, mas de que padeço.

tempo sem feição traz-me desmemoriada
sinto até que corro perigo
sou folha seca caída, ao chão desamparada,
com a ilusão de ainda viver, mas já sem norte
onde a morte é medo e o sonho é nada.

natalia nuno
rosafogo



segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

poema enfadonho...



hoje comparei-me ao sol que envelhece
precocemente, já não o vejo sorrir,
haja astro, e haja gente
que me sorria sem ter de pedir.
o meu silêncio está de passagem
nem pensar em calar mais um pouco
urgente o vento e sua aragem
para levar este tempo louco.
hoje até a lua está desatenta
não quer nem saber,,
se meu coração bate ou não!
chegou antes do anoitecer
sentiu-se só,
e eu na minha solidão
tive pena dela, meteu-me dó!

vivo a contar os dias
a cruzar a escuridão
de manhã é cedo demais, de tarde é tarde demais
vou sussurrando meus ais
vazio está meu coração.

andam nuvens a rasar os telhados
na rua não se vê vivalma
vivem os velhos fechados
e os novos a perder a calma,
desapareceram os melros
que brincavam no jardim
oh meu Deus que é dos melros?!
que é de mim?!

este tempo tira-me o chão
vivo de anseios vãos
meus versos são andorinhas
perdidas em minhas mãos
pobre de mim
- e das avezinhas.

natalia nuno 
rosafogo