sábado, 16 de janeiro de 2021

ja a noite desce branda...



há lugares dentro do peito
que não são rio nem mar
são o ninho onde me deito
até que o coração decida amar
e o que me sobra de alegria
não é rio nem ribeiro
é lembrar-te dia a dia
lembrar-te o tempo inteiro
trago uma força desmedida
uma força que é bem forte
flui o tempo, com ele a vida
o sonho me sustenta esqueço a morte.

tão estranho meu coração
só lhe importa a liberdade
nos meus olhos a comoção
de ceder à saudade.

há lugares dentro do peito
que não são rios nem mar
são onde o coração desfeito
aberto ao amor, a esperar...
cantavam nele pássaros loucos
hoje de asas partidas
levo a saudade aos poucos
trago as ilusões perdidas.

já a noite desce branda
regressa o pensamento saudoso
logo o coração acalanta
o teu chegar silencioso.

natalia nuno
 6/1976
imagem pinterest

fogo de outrora...



morreu o fogo d'outrora
acabou-se a sua chama
dobra-se o coração e chora
implora amor a quem ama

se a chama se apagou
vivo em fecunda fantasia
a esperança não esgotou
vivo de sonho e utopia

do sonho q' inda alcanço
vou dando passo a passo
a rede ao mar inda lanço
por cada beijo ou abraço

num abismo vou caindo
o coração não desfalece
suas portas vai abrindo
e logo o amor floresce

natalia nuno
singelas trovas de 1976

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

o passado dorme...prosa poética



o passado dorme enquanto o futuro murmura e o presente vive e chora por dentro e eu exilo-me apagando-me a mim mesmo, desvaneço nas palavras que convoco e os pensamentos abrem-se ao vazio, aceitando o inevitável... como a areia que o mar engole, assim o tempo amargo faz nascer em mim a desmemória, conspira em segredo e é como uma sombra que me persegue, deixando-me sem flores nos olhos e sem o sorriso nos lábios de onde as silabas íam nascendo...agora andam gaivotas embrumadas em delírio sobre o meu corpo de trigo, numa liberdade de espuma...


natalia nuno

prosa poética...observo últimos raios de luz




observo os últimos raios de luz, estou vazia...a noite é um lago tranquilo, tremem as estrelas, a lua recita versos de qualquer saudade e, a brisa da infância que sempre me espera e adoça o vazio que há em mim, não sei se vou acordar, escolho ficar no sonho numa fantasia que me incendeia, deixo-me ir nesta utopia que me protege da sentença dos anos, calada, a minha pena dos olhos se apaga, evoco memórias, mato a sede, perco-me no sonho como uma nau se perde na bruma, desço a noite intensa e, deixo para trás os meus fantasmas interiores, sinto a outra que também sou e a tristeza por tê-la abandonado...

natalia nuno
rosafogo
imagem pinterest

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

lembranças miúdas III...

 

pequena prosa poética


Há p'los campos flores baralhadas, remando contra a força do vento, assim morrem os sonhos no silêncio dos que sofrem de saudade ao peso das lágrimas. Vivem-se assim tempos de asperezas onde o remédio é resistir às pressões do dia a dia. Ando para aqui de pensamento em pensamento, interrogo-me constantemente do porquê de nem as flores escaparem e numa rapidez espantosa serem despetaladas no encontro com o tempo. Oscilante é a vida, ameaçador o tempo, indiferente é já a vontade e tudo fica assim mesmo, só o coração pode mudar e transformar o nevoeiro instalado, em sol, abrindo o verão e agasalhando de novo a esperança. Seja amanhã, ou já tarde do dia, tudo chega ao fim, não lamento, pois trago em mim Poesia, que é festa no coração partido e é dança nos meus dedos, ou até flor cheirosa do jardim...lembranças de mim.


natalia nuno
rosafogo

pequena prosa...sonho




agarram-me pelo braço...e eu, e as recordações fugitivas do tempo... o coração dando asas ao desejo de atravessar a fronteira, ver de novo os instantes que alguma vez amei, os pássaros avisam-me que a memória tem de ser audaz, capaz de fugir ao tempo que me rouba o meu mundo, que hipnotiza minhas horas...este tempo que é anjo e demónio que me vigia em qualquer canto onde me abrigo, a maior parte das vezes me deixa criança confusa, que não distingue o sonho da realidade...então, deixo o pensamento ganhar asas, levantar vôo e, aguardo que o sonho me abrace...

natalia nuno
rosafogo

lembranças miúdas V...

pequena prosa poética

Pelo tempo desarmada, trago estradas e atalhos a correrem-me p'lo rosto mas prossigo serena, abraçada à saudade e ao sonho que tiro da gaveta, sempre que preciso sonhar...a luz em mim se faz tanta, que separo as horas tristes, vivo as restantes, e calo a solidão, fica apenas aos meus ouvidos o chilrear e o bater de asas que passam rasando o telhado e me convidam a apanhar amoras, a bicar figos maduros, a respirar a brisa que vem do lado de lá do rio e é nesse momento que os meus olhos esbugalhados miram as chaminés fumegando, ali me deixo a olhar o fumo em direcção às eiras, o sol chegando, clara a manhã, a erva prateada e a água do rio espelhando...foi aqui! Aqui que nasci, bem no ventre deste lugar, coberto de orvalho, com o azul do céu lá p'las alturas e com as romãs a abrir como pássaros querendo sair das gaiolas...quantos viveram semelhante sonho? Quantos fruíram tal como eu deste sonho que foi crescer na natureza? Só mesmo esses saberão do que falo e desta minha saudade, assim como do meu apego às raízes, das saudades do largo da praça e a graça das cachopas do meu tempo com trajes domingueiros dirigindo-se à missa como se fossem princesas... na cálida tarde a luz reverbera, ao ouvido ainda soam as músicas bem distintas do açude moendo o trigo, e a voz do sino em repetidas carícias, em sussurros enternecidos, chamando o povo à reza do terço...e nos sentidos explodindo de saudade há ainda o cheiro das flores abrindo...volto à juventude e ao riso franco, sonhando sempre que preciso.

Assim saudades de mim!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

não há como negar...




há muros na nossa existência
onde parece que vamos bater
de frente, é preciso encher o coração
sobreviver, transpô-los e seguir adiante.
não há como negar,
os poetas cerram as pálpebras
e começam a sonhar...
nada há de mais livre que o pensamento,
a todo o momento ocorre,
um poema que desata a correr
como magia, a sua arte predomina
deixando a folha salpicada d'amor
tantas vezes de amargor
é sua sina...é seu ouro,
orgulhosamente Poesia é do Poeta
seu tesouro!


natalia nuno
rossafogo



segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

à vida já nada cobro...



a noite arrasta seu manto
de brilho,
enquanto escrevo a memória
de meus passos
quero fugir ao caminho, sigo trilho
onde encontro corações e abraços
meu sonho é agridoce
e o tempo mordaz
meus passos lentos não são como
se ontem fosse
e o espelho não me mostra o rosto
não é capaz!
tempo que me apaga
sinto o coração a sair do peito
só o sonho me afaga
e eu me debato deste meu jeito
dobro o choro, choro e dobro
à saudade imploro
e à vida já nada cobro.

natalia nuno
rosafogo


domingo, 10 de janeiro de 2021

o amor salpica a vida...



tantos momentos
tantos dias cinzentos
e as vidraças doridas, chorosas,
pingando em surdina
e uma chuva fina,
vai desfolhando as últimas rosas.
aqui onde me sento
vejo sinais de desalento
de enganos e desenganos
dias que são tormento...
fico pensativa, nem sei se morta se viva,
às veze alheia, indiferente
de nada trago certeza
sabe Deus como ando descrente,
perdeu a vida beleza,
depois de cada sonho, nova ânsia
só minha alma é menina
só ela ficou na infância.
o vento bate forte nas vidraças
e uiva por entre as frestas da janela
encosto meu rosto nela,
tocada p'la ilusão, sem escutar a razão,
vejo-te passar quando não passas,
e há fogo no meu enamorado coração
o teu perfume, já envolve meus pensamentos
tantos momentos, breve rumor,
só tu e eu e nosso amor...

natália nuno
rosafogo