sábado, 14 de março de 2020

hoje com um sorriso amarelo...



hoje com um sorriso amarelo encarei o dia... este tempo entristecido onde rasteja o sol, e o vento endoidecido por falta de tempestade, rompe as estrelas da minha saudade...apaga-se a candeia na lareira, mas, o meu olhar se ilumina e aqui estou pequenina com pavor da trovoada, suspiro de inquietação, no peito bate o coração, na fogueira crepita a lenha cortada a cafeteira do café e sonhos pela calada... no alguidar vai levedando o pão... e mais um trovão, sinto-me perdida aqui pertinho do forno, o tempo e eu caminhamos sem retorno...em torno do pão eu e a avó com fé de rosário na mão...preces feitas, pão crescido, e o tempo continua entristecido, escapo-me por entre o vento e o olhar da avó, e como fada perdida regresso à vida, caminhando só...seguem-me as cigarras e os cheiros da aurora e as setas do fim nas sombras de mim...

natalia nuno

o mar devolve-lhe os sonhos...



o mar devolve-lhe os sonhos de criança, remenda-lhe os dias sulcados de nostalgia, a neblina inunda-lhe o olhar e o pensamento repousa no silêncio, há nele mares de esquecimento, mas movem-se nele silhuetas de pessoas amadas que já partiram... inundadas de mágoas as mãos que escrevem e deslizam como um pássaro por sobre o papel, e com um arrepio na pele sente o peso da saudade a pernoitar no seu coração... fica a inventar, a ouvir a chuva a cair e o mar revolto é cúmplice da sua tristeza, do seu resistir, do seu ficar sem chão...velejam os afectos no peito, os mesmos que lhe esmagam o rosto e lhe deixam a contravento o pensamento...neste balançar como onda do mar, ficam-lhe os dias a morrer de tédio e sente-se folha caída sem remédio...

natalia nuno

rosafogo

sexta-feira, 13 de março de 2020

no norte das minhas palavras...



no norte das minhas palavras abandonei a inocência, lá onde tudo era sonho onde lavrava a alegria, onde havia lufadas de sol, onde era seara e girassol, onde via regressar as papoilas vermelhas e os pássaros construíam ninhos nos beirais dos telhados...as estrelas vazaram, e trago agora os olhos molhados...fico a secar os olhos embaciada de emoção, sigo por entre a maresia à minha procura, porque me dói não saber quem sou nem onde estou, não me reconheço, e sempre que a mim regresso há um desajuste entre o sonho e a realidade, parto com velocidade... que mal fiz eu... quem secou a flor em mim? de trigo eu era... hoje sou girassol que morreu, assim... morreu-me também o tempo, sou pássaro no escuro à procura dum pouco de primavera...sigo caminho com o afago do vento não me deixo entristecer, não quero mais palavras, que já nada têm para me dizer...
natalia nuno

terça-feira, 10 de março de 2020

a melancolia da tarde...



recolho a flor da melancolia
e a noite conspira contra mim
falaram-me as estrelas sem piedade,
da saudade,
que pulsa no meu dia.
nas memórias que o vento me traz
surjo menina cândida, à distância
lá muito atrás,
a criança que fui
ávida de vida, riso saindo da boca
sonhos bailarinos como chuva d'oiro
e minha memória deixando-me louca

vi obscurecer os anos de repente
fiquei como o vôo indeciso duma folha
que vai cair ao chão
e uma primeira lágrima surgiu
de resignação...
as ideias e o pensamento abrasam
a verdade arde
e meus lábios pronunciam
não sonhes... agora é tarde!

natalia nuno
rosafogo



segunda-feira, 9 de março de 2020

a poesia chama por mim...



puxo as persianas da noite
dou a volta ao trinco da porta
e a poesia chama por mim,
não é fácil desalojá-la do pensamento
é como semente da flor da saudade
no canteiro da horta
que ali depositou o vento,
vento que hoje me faz companhia
nesta noite que morre de angústia
por deixar o dia.

neste silêncio que me envolve
posso sonhar, o tempo
vai mudando minha sorte
e enquanto não me morre o pensamento
vou adiando a morte.
como folhas que caem no outono
me afasto da realidade
deixando-me nas estrelas só minhas
ao abandono,
a sós com a saudade.

as minhas palavras ficam roxas
da cor dos temporais
deixo frases inacabadas sobre
esse amor que ficou
entre gemidos e ais
em mais um dia que findou

natália nuno
rosafogo




um murmúrio perdido...



um murmúrio perdido que ninguém ouve ela traz da infância, quando habitava um lugar de luz, hoje sombra escurecida... é pássaro que dá bicadas no vazio e ninguém dá pela sua presença. sussurra palavras trémulas e distantes que ninguém ouve e são como enfaroladas nuvens prestes a derramarem num chão com rumor a agonia, e ao mesmo tempo é ainda juventude ou apenas memória numa confusa dualidade... pôs o sorriso no esquecimento, por desejo ou capricho escreve poemas acariciando as palavras que despertam na sua memória, o sonho é a chave do seu viver... o seu corpo é a languidez da tarde onde o Sol já dormita, astro que sempre a acompanhará no silêncio turvo dos versos, numa solidão crescente, até que um dia o pulsar acabe...e nada mais perturbe o seu silêncio, nem lhe negue os seus desejos...um agasalho a cobre, feito de livros e folhas de papel onde a aguarda sempre um poema que quer conquistar...

natalianuno

imagem pinterest

ri, inventa e chora...



ri, inventa e chora e o seu olhar a observa por fora, o outono trouxe-lhe castelos por abrir e mais um dia que há-de vir, e um tempo que faz medo, sonhos parados segredo, insónia debruçada na almofada e quase acredita que ainda é amada...é quase flor de inverno, nem feliz, nem infeliz, a sua voz é nevoeiro mas carrega com ela o cheiro da madressilva, da giesta...era de festa e de amoras, há muito tempo há tantas horas, os seus saltos de esperança, a criança que passa a vida a enfeitar, a fazer a trança, a colocar-lhe o laço, e num abraço um adeus que faz doer e uma lágrima a correr...tanta estrada...e ela ainda se julga amada!

natalia nuno

domingo, 8 de março de 2020

choram flautas aos meus ouvidos...


e sempre nos meus olhos a noite causa
sombra, uma longa sombra amortecida
olhos de pintura já esvaída
onde coube tanta solidão
lágrimas p'lo caminho
derramadas p'lo chão
tanta rosa, tanto espinho,
já meu sonho se quebrou
já meu sangue agonizou
nada que invejar em mim,
nem meus olhos verde azeitona
nem meu pálido rosto de jasmim
tudo chegou ao fim da maratona.

choram flautas aos meus ouvidos
choro, não sei, porque me domina
a saudade... de tantos anos vividos!
deixando-me a lembrança da menina
que no coração arde...
já não me conhece ninguém
um rumor frio assola-me o peito,
só as lembranças o coração retém.

abro a porta à noite, calma e suave
sempre o sonho me chama
e um frenesim de esperança
no coração cabe, e sempre
uma alegria infantil de quem
a vida ama.

natália nuno
rosafogo

às vezes...





às vezes as sílabas saem-me negras cheirando a frio, caídas pelo chão, indigentes, humedecendo a minha saudade, às vezes as palavras saem-me humilhadas, desprendem-se na noite sem luar, envenenadas, roídas de desejo de amar, mas maldição...são apenas do pranto uma porção... é tempo de cinzas derramadas no sonho baldio que me foge como um lugar proibido, imponho-me mesmo derrotada, abrigo-me numa gargalhada...tive um tempo que me convidava a ficar, mas pôs-me ressentimento no cabelo cinzento, não me restou tempo para escolher nem inteligência, ou vontade para recusar, resta-me a saudade do meu corpo precoce de mulher, sonho dentro do sonho que escrevo para não esquecer...

natalia nuno