sábado, 1 de fevereiro de 2020

as flores do campo...




Com tão pouco e tão felizes as crianças da minha infância, tudo e nada tínhamos, por que o pouco era muito, o pãozinho do forno de lenha, as flores do campo, as canções dos grilos e das cigarras, as poças d'água para saltarmos, e um sonho a cada manhã, poder brincar na rua com asas pespontadas de alegria, com os cabelos ao vento correndo rua abaixo, rua acima, com a benção do sol e a ternura dos pássaros que nos espiavam para que deixássemos os ninhos em paz...fomos felizes sim, por isso ainda trazemos esta saudade fecunda em nós, nossos olhos roubavam a luz ao sol, enquanto ele nos dourava a pele, enquanto voávamos de pés descalços, com a gratidão ao rubro por tanta coisa boa.. a aldeia fermentava de sabores e cores tão nossos conhecidos e à noite o vento cantava por entre as frestas do telhado, enquanto no braseiro se aquecia o café e sonhávamos, sonhos fumegantes, até chegar o sono e adormecermos em paz... na manhã seguinte tudo retornava, as brincadeiras ébrias de alegria com os companheiros, os saltos e correria...hoje fecho os olhos apago-me no silêncio e rememoro as as minhas raízes na aldeia onde sempre era primavera e os pássaros vinham pousar nas glicínias da mãe.

natalia nuno
rosafogo

a linha da mão...



dias há, quando olho a palma da mão
já só vejo nela uma linha
a linha do coração
que é como profecia, a trazer-me
o passado, enquanto o presente
murmura já tão perto,
e o sonho caminha pelo deserto.
a alma por dentro chora
e eu sinto o calor da pulsação
enquanto a angústia
desce à minha mão.
e escrevo, enquanto os olhos embaciam
e as dúvidas são um mar
sinto-lhe o tremor, ao escrever sobre o amor
que o coração não quer calar.

e é na noite ao desamparo
que é maior a dor
mas não páro de escrever com ardor
e assim acalmo o vazio e a mágoa
e vou esculpindo versos d'água.

e na noite constelada me sinto amada
entre o passado e o presente
há uma fronteira
impossível ultrapassá-la, é como fogueira,
para traz ficou aquilo que não esquece
e que ainda me aquece,
a linha da mão, vai fazendo a despedida
silenciosa, sonhos de cor rosa
é já difusa a recordação...
o caminho apaga-se com o vento
e os sonhos são agora de ilusão

natalia nuno
rosafogo


o meu piano...


Em pequena tinha um piano
Só meu!
Não...não é engano!
No meu imaginário existia
É verdade, mas ninguém sabia.
O dedilhava na perfeição
E o escondia para que ninguém
o invejasse, presurosa,
o metia no coração.
Eu sou assim!
Sou do Povo, foi do Povo que vim.
Herdei a força das águas
Sou intempestiva, sou emoção.
Herdei do sino o vozeirão.
E as mágoas?
Ai as mágoas, ninguém cala meu coração.
Nasci numa cama de milho
Sou renitente em conformar-me
Nasci filha, queriam filho
Mas não deixaram de amar-me.
Janeiro corria tranquilo
E eu nascia
com pouco mais que um quilo.
Lembro a cada passo
E volto a lembrar outra vez
Pequenos nadas que me acodem ao pensamento
De quando em vez, procuro neles alento.
Ardores da mocidade,
que abraço sem desalentar.
Ainda que a saudade
se emaranhe por mim adentro,
vou sempre recordar.
A miúda, ladina e até espertita,
a quem a mãe no cabelo punha uma fita.
E é completa a minha satisfação
Deixo até que o coração chore!
Quem sabe o amanhã não melhore?
E não alcance uma outra ocasião,
de me surpreender com a vida
e meu coração possa brandir
no olhar uma lágrima tremeluzir
Por esse sonho do piano perdido.
A vida é mesmo um desatino
Um sabor de travo azedo
Cansa qualquer peregrino
Que partiu p'la manhã... cedo.
natalia nuno

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

um grito entre a bruma...



sufoco o grito na garganta
a vida, a mais de meio parou
a sombra em mim já se agiganta
só essa sombra agora sou!
trago o corpo na prisão
e a alma em liberdade,
perdida no cansaço da solidão
só o sonho e a saudade
tomam conta da minha mão.

correm-me rios nos olhos
percorro a noite tão lenta...
caudal de esperanças na madrugada
perco palavra, a boca ainda tenta
mas, fica na garganta entalada.
bate-me a tristeza, soltam-se
as veias uma a uma
voo de mim, desde que o inverno me tocou
e a solidão de mim se abeirou
num cinzento bruma.

nuvens amanhecem nos meus dias
já não são equilibrados de harmonias,
o azul do céu é apenas um rasgão a tremer
chego agora à encruzilhada,
procuro sonhos onde correr, viva e solta
com passos leves de fada,
para não acordar a fria realidade
onde apenas talho, palavras de saudade

natalia nuno
rosafogo


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

desassossego ...



a manhã vai alta
tremem as folhas das laranjeiras
e eu sinto a falta
dos risos e brincadeiras
de olhos colados ao postigo
sonho com teus canteiros de salsa e hortelã
e fico aqui neste sonho contigo
enquanto oiço a angústia do vento
percorrendo a manhã.
sonho com as pontas da vida
as minhas mãos ficam nervosas,
a saudade é desmedida
já não estás longe nem perto
e este sonho é feito de rosas
a realidade um deserto.

lá em baixo a beira-rio
aqui o fogo aceso na lareira
no meu coração um vazio
cansado duma vida inteira
e este vento que não pára
a vida numa morte lenta
e eu sei lá de mim!...
só sei que a saudade me atenta
neste meu sonhar sem fim.

ainda de pijama e touca
anda meu corpo de silêncio
enquanto o tempo se apouca
sou o próprio vento,
nesta tarde que já vai alta
sem abrir a minha boca
nasço e renasço,
levo longe o pensamento
e invento...
faço tempestade em copo d'água
coloco pombas nos meus ombros
e deixo-me voar muna doce paz,
sigo, sem dor, nem mágoa,
até onde fôr capaz, o sonho permitir
e a saudade se fizer ouvir.

natalia nuno
 rosafogo

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

versos de'água pura...


como fruta doce,
crescia no meu peito
a melancolia,
o sorriso um castiçal apagado
numa ânsia sem jeito
meu corpo incendiado
qualquer coisa que nunca soube,
porque seria,
 ou será que sabia?!
 não sei se fiz mal ou bem 
só sei que amei,
sem pertencer a ninguém...

quando teu corpo surgia
abria os braços com ternura
e o amor acontecia
entre versos dágua pura.

natália nuno
rosafogo

em versos amando-te...



meu coração desabitado
não cabe nele entendimento
logo se lhe dou cuidado...
se enche de sofrimento

meu olhar verde rasgado
resplendor do sol cegando
anda p'lo teu enamorado
a tua ausência chorando

meu sonho cresce d'espanto
voa como andorinha louca
em versos eu vou-te amando
e,  já o tempo se apouca!

nossos corpos desafiam
o tempo que traz saudade
o q' as nossas mãos diziam!
quando o amor era de verdade

meu sonho cresce d'espanto
voa como andorinha louca
em versos vou-te  amando
e já o tempo se apouca!


rosafogo

palavras bolorentas...



não sei como dizer da dor da minha escrita, do sol que nela nasce tardio, dos dias partidos um a um, das noites mergulhadas no silêncio, sufoca ela nas minhas mãos e colho poemas desfeitos fugidos do peito em agonia infinita... não sei se voltarei a escrever, as palavras golpeiam-me os pensamentos, velhas cheirando a humidade, insistindo agarradas aos meus dedos, esparramando-se em pranto e saudade, mas não me seduzem nem convencem não têm mais ordem para nascer neste tempo inigmatico de outono que me faz sofrer, cortei o fio que me atava à poesia que me trazia sonhos quiméricos para depois me perder na obscuridade de mil sombras...quero falar do aroma da infância, da linguagem da natureza, acariciar os regatos que me saem da garganta, nas canas verdes dos meus olhos deixar pousar os pintassilgos, os melros, esses sim, tão vivos enraizados na minha memória, feitiço que me levará ao esquecimento....lá, onde se eleva uma estrela que me acolhe.

tão quase tudo...



tão quase tudo... a verdade é a poeira sem assentar a fazer-se ninho nos meus olhos e o meu universo toldado, vem até mim um pássaro que ri, inventa e chora, e em cumplicidade sentamo-nos no alpendre conversamos sobre flores, falamos de primaveras e de vôos de outono, de chegadas e despedidas, olhamos os riozinhos de sol que correm no meu rosto onde as rosas já não crescem, um pavão de asas abertas me confronta o coração...há muito que não me faço perguntas, repouso das interrogações da vida, das esperanças defraldadas, das borboletas cegas que sobre os sonhos voejam, repouso da saudade de granito, e assim vou dizendo adeus sem me doer...

natalia nuno
rosafogo

desci lá abaixo ao rio...





Desci lá abaixo ao rio...
Esperei que o sol caísse
E logo a solidão estatelou em meu peito
E o meu sangue triste me disse
Que fazer, se é este o teu jeito?
Desci lá abaixo ao rio
Senti a tarde ventosa
O vento passou vadio
Levando-me p'la mão, ansiosa...
Deito palavras ao vento,
que hoje sopra forte.
Vivo mais um dia sem lamento,
e vou repelindo a morte.
O som do açude a estalar nos ouvidos
Olho as águas brancas fugidias
E o rio manso, absorve-me os sentidos
E vê-lo?
É um regalo, no imaginário dos meus dias.
Talvez o relógio pare, sem horas, nem segundos
Me deixe a recordar o meu mundo,
entre mundos.
E vou tecendo meus sonhos a fio
Olhando o avental de minha mãe,
vendo-a lavar no rio,
cheia de sonhos também.
Bebo um trago de café de cevada
Passo os olhos p'la maciez do seu sorriso
E sonho...
Tenho tudo o que preciso.
rosafogo
natalia nuno

gota d'água...


Será luz a nova flor que se abre? Permanece o silêncio... talvez só uma comovida flor que o orvalho resolveu golpear, num prazer desperto de levar para longe a semente, com a promessa de fazer tremer a gota de água que a fará germinar...se te amo, é porque deixas o teu perfume a cerejas silvestres! Dá-me a tua promessa, acende meu arco-íris de prazer antes que enferruje a minha esperança e as palavras me resvalem na garganta...como um tíbio raio de sol, onde a claridade já estremece.
natalianuno
(coisas de poeta)