sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

é pouca a largueza entre a memoria e o esquecimento...



quando escrevo estou só!
face a face com a realidade,
entre a fronteira desta com o sonho,
a cada um dos meus passos
a idade avança, vem a saudade...
- as palavras são a maior das maravilhas
ditas e escritas...gentis e perversas!
um desafio elas são,
uma tentação!
lá fora, o tempo de inverno,
a janela embaciada,
tantos dias adormecida e a vida
quase acabada!
abrevio estes pensamentos
uma estranha ideia passa-me pela mente
flutuo no passado saudosamente,
receio a imobilidade, trago da vida saudade.

enquanto olho as árvores que vão
perdendo  a folha
tudo é claro como água,
a morte me olha!
- as nuvens ocultam completamente
o céu, nada mais consigo ver,
atravesso a estreita ponte que ainda é vida
e só, 
continuo a escrever!

É pouca largueza entre a memória
e o esquecimento!

natalia nuno
rosafogo

linguagem dum silêncio...



quase mágico seu rosto, o olhar estendido, labirinto de memórias, olhos que soletram o sol são a linguagem do silêncio arrebatado, onde as sílabas são substituídas por música que vem do coração, jamais é o que se foi, jamais se respiram as fragrâncias de Setembro, agora que o inverno se inicia e a vida nos fala em sua mudez, uma rajada canta  no arvoredo da memória, que ainda palpita, voa e sonha...


natalia nuno
rosafogo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

viagem ao passado...



empenaram as portas,
trepadeiras entraram pelas janelas,
e as sardinheiras quase mortas
por não  terem quem tome conta
delas...
as silvas cobriram as laranjeiras
elas que eram as primeiras
a perfumar a horta,
morreu a horta, está morta!
o céu acinzentou,
no rio, nunca mais espelhou
e a menina de coração vazio
olha com compaixão,
tem ainda nas narinas o odor
e acelerado o bater do coração
tudo porque à terra tem amor,
ouve o arrulhar das rolas, doce
fechou-se-lhe o rosto, 
- como se fosse
por saber  que não voltaria ao adro
à festa de Agosto.

empenadas as portas
e as sardinheiras quase mortas
segue as borboletas em vôo com o olhar
Setembro  abrasador não vai tardar
seca poços, seca os figos nos tabuleiros
emudeceu a dor, passaram tantos Janeiros
à flor da pele traz a saudade
a angústia aperta-lhe o peito
essa e a verdade,
refugia-se no canto mais escondido,
é agora senhora idosa de tanto ter vivido,
a pele enrugada, recordações costumeiras
fica a olhar as janelas a ver entrar 
as trepadeiras...
rasga-a uma ferida aberta
que nem o tempo concerta.

natalia nuno
roafogo

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

a força que penso ter...



trago as asas partidas
roxas são minhas feridas
mais um dia findou saudoso,
breve e silencioso...
o sonho tornou-se tormenta
como o vento de nortada,
trago a alma incendiada
nestes versos que disperso

neste tempo a fogo e ferro
na solidão onde me enterro.

a força que penso ter
é uma  força bem antiga
e o sonho que a sustenta
é como uma mão amiga
que trespassa o meu querer,
mais forte que outra coisa qualquer,
às vezes sou só cansaço
o desalento me tolhe o passo.

neste tempo a fogo e ferro
na solidão onde me enterro.

natalia nuno
rosafogo
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