sábado, 29 de setembro de 2018

já não há malmequeres...



já não há malmequeres no meu outono
nem nos meus sonhos há qualquer segredo
já me arrancaram até o sono
já o vazio me apanha e me faz medo

faz tanto tempo que dormia numa cama
de folhedo...
abandono-me na tarde e regresso ao aroma
que a saudade me traz dessa primavera,
de sangue novo, saudosa, de quando era
menina do povo...

já o vento do poente não me enche o peito
de ar
extraviou-se a memória, quebrou-se o olhar
ainda assim escrevo, escrevo exaustivamente
tenho tanto amor no peito que de mim não estou
ausente...

fiz barquinhos de papel, pu-los a navegar 
como se a vida de par em par se abrisse
e os peixes de prata vinham as m' mãos beijar
hoje, pra não sentir a solidão, apanho tílias e giestas
e os sonhos voltam a fazer-me festas...

acordo p'la manhã, e sinto-me botão por abrir
apesar de viver não seja perfeição
a natureza está sorridente, tenho de sorrir,
é agora tempo que afaga, dá-me a tua mão
que a desesperança não se abata sobre nós
esqueçamos a longínqua margem do verão
e amemo-nos, neste outono sereno que nos leva à foz.

natalia nuno
rosafogo