quinta-feira, 6 de julho de 2023

ruas da memória...



as ruas da minha memória
eram de terra batida, chovia
ainda recordo o cheiro a terra
desse tempo de nostalgia
tudo incrivelmente distante
brincávamos na rua
vivíamos sem medo
a aldeia era minha e tua
e a amizade o segredo,
banhávamo-nos no rio
para aguentar o calor de verão
e no inverno à lareira vencia-se o frio
café ao lume, fatia de pão
na mão...
ouvia-se o vento
enquanto a tempestade passava
e com Deus no pensamento
pedia-se em oração
e a tempestade amainava.

tudo era simples assim
o pai tratava da horta
e a mãe dos filhos e do jardim.

havia fotos penduradas
na parede
antepassados que não conhecia
olhava-os dia após dia
«dali ninguém os arrede
que à avó são familiares
tios, avós, pais, e netos
ali nas fotos aos pares»

tempos de poucos afectos
de reprimidas emoções
de sufocados desejos
também de desilusões
alimentando-se ansejos

mas recordar me alimenta
guardo sempre esta vontade
e nesta manhã cinzenta
de silêncio vazia, chega a mim
a nostalgia
tudo lembro com saudade.

natalia nuno
foto do pinterest

quarta-feira, 5 de julho de 2023

aos rios do meu corpo...



meus olhos não deixam adormecer
os rios do meu corpo
e os pensamentos chegam de longe
como aves migratórias
avançam em alarido
contam-me histórias
acalmam-me o peito
em milagre adormecido,
preenchem-me o vazio das horas
fazem-me me ver a luz que perdeu a cor
e sem demoras, volta a mim o amor

viver, viver é tudo o que quero
importa-me o riso da flor
o marulhar das águas
a lua cheia, o sol-pôr
a luz do dia
o silêncio da noite
o murmúrio da humanidade
a nostalgia
- e a saudade.

e espero.
no caminho, clara luz
e nas janelas da insónia
olhar o infinito
sentir o brilho do júbilo e da
loucura
esquecer os olhos do esquecimento
aos rios do meu corpo
chegar de novo o alento.

natalia nuno
rosafogo



segunda-feira, 3 de julho de 2023

a palavras como herança...



a palavra salta-me da boca
com a certeza de que nada a aguarda
sai como o vento
e arrepende-se não tarda,
não me reconhece
nada sabe das minhas vitórias
nem dos meus fracassos,
nem das memórias
tão pouco dos meus passos,
nem sonha que a recebi
como herança
quando era bem criança,
quando o pião rodava na mão
e às escondidas brincava
e lia livros para todas as idades
e já me olhava
- a folha branca do papel,
e inquieto, batia meu coração.

que saudades de então!

natalia nuno
rosafogo






domingo, 2 de julho de 2023

este poema não existe...



este poema não existe
nem sabe o que lhe calhará por sorte
mas insiste, numas palavras mais
pode até falar de morte,
ou dos sonhos que iluminam
o quarto, se me achar ignorante
deixo-o a falar sozinho
e parto...
sussurra-me ao ouvido
que é fugaz minha inspiração
que sou ave extraviada, mal amada,
e é capaz de ter razão!

agora, o poema ferve-me na memória
é grito que me chama do vazio
é lágrima seca sem história,
é vida em escassas linhas
desejos, e saudades tão minhas,
poema que ninguém sabe da existência
poema que é toda a minha essência.

natalia nuno
rosafogo