sexta-feira, 5 de março de 2021

poema de saudade...



há um sol que percorre todas as ruas
da minha aldeia, e só abandona as hortas
depois a horas mortas...
quando se despede da aldeia
as aves aninham-se nos ninhos,
nos lares serve-a ceia,
já a lua alumia os caminhos.
há roupa estendida nos estendais
que na madrugada estará enxuta 
com o passar dos vendavais...
madrugada chegada
canta o galo na capoeira,
depois da cara lavada
vão os homens até à eira.
volta de novo o sol a percorrer
todas as ruas da aldeia
gente boa Deus premeia!
janeiro chega e traz consigo
uma mão cheia de frio,
fumega o rio,
na praça, há sonhos e sorrisos
e no jardim da mãe, 
já vêm nascendo os narcisos.
olho a soleira da porta!
onde está minha gente?
sinto-me de saudade, morta...
inverna e vai haver cheia
e a avó continua tricotando meia
ao peito a fotografia
do avô que se foi um dia.
sento-me um pouco na arca
dos cobertores, parece-me ouvir
a avó a rezar as suas dores!
o tempo tem agora mais anos
que minha idade,
e este sonho é poema de saudade.

natalia nuno
rosafogo

só a ave livre...



só a ave livre é que canta, em mim a palavra nasce e logo morre na garganta, o meu cansaço é falta de liberdade, que impede o abraço que me traz serenidade, escrevo para afogar emoções, levo o tempo a seguir recomendações, meu coração já invernece, e o pensamento adormece, só o rosto mostra a realidade, semeio este poema a morrer de saudade...saudade de ser ave que esvoaça, saudade de possuir o mundo na mão, saudade de ser feliz sem precisar de razão, saudade de reconstruir o ninho como da última migração, desatar o medo, alertar minhas veias que ainda de vida estão cheias... acenar à vida!

natalia nuno
rosafogo

quarta-feira, 3 de março de 2021

silêncios...

há silêncios que nos pôem num suspirar
sem fim, de tristeza e solidão,
como os abraços que se dão
no cais à partida, que nos afastam,
lenta e seguramente
de quem faz parte da nossa vida!
nos silêncios há flores lentamente a morrer 
sabendo que não podem mais florescer.

há silêncios que entram na profundeza
do coração, ajustam contas com a mente
trazem crueldade pela mão, tristeza,
entristecem-nos irremediavelmente.

há silêncios que nos seduzem
a recordar o passado, surgem
em catadupa como nuvens em movimentos
no peito cresce a ansiedade
de rever saudosos momentos intemporais,
aqueles...que não se esquecem jamais!

o que resta de mim, segue serenamente
em silêncio, com todas as recordações, 
com a emoção sempre presente,
neste cansaço onde me detenho
descanso da saudade de onde venho.

natalia nuno
rosafogo

segunda-feira, 1 de março de 2021

uma vontade de beber o sol...




o dia cinzento, dita-me em silêncio a nostalgia
assoma caprichoso trazendo da noite o rancor
quem sabe seja amanhã outro dia
com ternura volte o sol, acabe a dor
traga certeza de sonhos e alegria
e me dê a luminosidade que já tive
já que minha alma navega
e meu coração ainda vive.
vive da luz do orvalho nascente
da cintilação dos astros
bate como o piar insistente
duma andorinha cantando na primavera,
acabando com a abulia da espera.

trago em mim um veleiro chamado saudade
e de viver uma obstinada vontade
uma imensidade febre de amar,
uma vontade de beber o sol
e como o vento percorrer os confins do mundo
acabar com este sonambulismo profundo
a que não me acostumarei, é o sonho que me diz!
quero ouvir a voz da natureza
e num voo livre de pintassilgo... ser feliz!

natalia nuno
rosafogo



domingo, 28 de fevereiro de 2021

coisas simples...





escrevo simplesmente sobre coisas simples
essa é a minha linguagem, crio os poemas
à minha imagem, dirigem-se a toda a gente
não sei escrever complicadamente,
os poemas levam a minha identidade
e neles muito de mim e muita saudade.

surpreendida com a minha imaginação
há poemas que cantam na minha solidão
lembranças pequenas que passam por mim
trago o tempo na mão
tempo amadurecido que me levará ao fim!
surpreendida páro a cada esquina
da aldeia, e lá me encontro menina.

vejo as moças a lavar no rio e a cochichar
e eu amo tudo isto intensamente,
atravesso a ponte, sinto alegria ao passar
e vou escrevendo o poema simplesmente,
sem complicação e vou seguindo em frente
amo as coisas que se foram no tempo q' passou,
amo todos os que a morte me levou

olho a corrente d'água q' tantas vezes olhei
chega até mim a melancolia, tudo como antes,
sigo com o olhar o vôo do estorninho que tanta vez 
seu belo canto escutei...
meus pensamentos estão agora distantes
levados por esse vôo do estorninho 
lá sigo de cabeça erguida o meu caminho.

deixei o adro, deixei vielas, deixei as hortas
neste poema que escrevo a horas mortas
a noite desliza suavemente pela calada
e já chega a mística alvorada,
trago ramos de salgueiro no coração
e escrevo palavras simples que florescem 
na escuridão... desta minha solidão.

natalia nuno
rosafogo