sábado, 16 de junho de 2018

o silêncio das palavras...



que importa se mais não sei
só sei...
meu corpo é um barco que oscila
enquanto o vento desliza nos cabelos
e no pensamento uma secreta saudade
que sôfrega bebo,
a luz onde a caminhar me atrevo
espalha-se o silêncio sobre as palavras
a tarde faz-se longa e arrefece
e há memórias que jamais se esquece
que sei eu, dos pássaros nas ramadas escondidos
que sei eu dos meus sonhos perdidos?
que dirão as papoilas que em criança ouvia falar
ou os medronhos maduros que enfeitiçavam meu olhar
que importa se mais não sei
só sei...
que o rio cantava aos meus ouvidos
torneava a aldeia e fugia dos meus pés
correndo de lés a lés,
o salgueiro era altaneiro
teimava em mirar-se no espelho d'água
sacudia os cabelos ao vento
e olhava-me com mágoa
adivinhando por ele meu sentimento

tremulava o orvalho no canteiro
as flores guardavam ciosamente o segredo do mel
e eu embalava o sonho junto ao peito
enquanto me afagavam as madressilvas com seu cheiro
sei também, dos besoiros aguardando o verão
e sei do amor que trazia em meu coração
que importa se mais não sei
só sei...
das fitas de seda que a mãe punha no cabelo
com desvelo,
sei dos abraços e dos laços
do vestido atados atrás
sei das rosas bravas e da lua crescente
e sei do tempo, desse tempo em que me fazia gente
do resto não sei e tanto se me faz

que importa se mais não sei
só sei...
que tudo isto é lembrança, nada eu inventei
é meu norte é meu destino, ouço ao longe
o toque do sino, que não cessa de tocar
e dos alcatruzes ouço o constante soar
sei do trigo e do arado
e sei do meu chão amado.

natalia nuno
rosafogo




quinta-feira, 14 de junho de 2018

a solidão me enfastia...



trago comigo pedaços de tempo d'outros tempos
que vão alumiando meu chão,
enquanto outros descem na noite trazendo
algo perdido, junto à saudade, a desolação
e é então, que a palavra transborda envelhecida
rasga-me os tendões do pulso
fico vencida.
a solidão me enfastia, a memória fica vazia
esqueçam-me nesta solidão obstinada e fria.

percebam apenas que eu me dei conta
que a vida já me abandona
e todos os sentimentos que trago à tona,
são inúteis fragrâncias de flores
são inúteis lágrimas que amam
tudo é silencioso, e a solidão é dona
dona da minha vontade, da felicidade
que me sobrou e eu cinzenta,
dito palavras duras à vida
sinto-a, a respirar na minha respiração
ouço-lhe a acusação...mas
fico da dor despida
e não me dou por vencida

natália nuno
rosafogo

domingo, 10 de junho de 2018

silêncios...



há silêncios que dizem tudo
na aspereza da noite, são desabafo d'alma
nos olhos secos, raios
avermelhados a expurgar a solidão,
as veias soltam-se em trepidação
na quietude, não se ouve nada
a não ser, o bater do coração
a vida já se ajoelha
o tempo no rosto se espelha
assim se faz o começo do fim,
sigo o silêncio que se quedou em mim
na memória há um fogo que arde e não
se consome...uma porta larga que abre,
ao passado, estendo a mão
às lembranças,
o sonho impregnado de brandura e,
com ternura, vou criando asas
para sair da solidão.

sempre a mesma sujeição ao tempo
sempre a mesma memória obsessiva
a lembrar cenas que marcaram a vida
deixaram no peito a saudade viva
esta saudade tão minha, que sinto de verdade
e lá me faço asa, que me leva de volta a casa
mas o tempo se arrasta e da vida me afasta
silêncio mudo que em mim se deita
encontra guarida no peito e ali se ajeita
aceita a oferta do abrigo e quer-se ali comigo.
há silêncios que dizem tudo
atravessam m' alma vazia, meu coração mudo
cansaço na viagem, e passa mais um dia.

natalia nuno
rosafogo