sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

embalo o sonho que me resta...



pergunto-me se as coisas podem ficar melhor
porque a palavra não me sai redonda
aqui onde não acontece nada
a vida é maré sem onda,
em vez de redonda é quadrada.
o corpo vive num tormento
na armadilha do tempo,
na prisão dos passos
não há gestos d'amor, não há abraços
o tempo vai vertendo cansaço
retirando à esperança, sempre mais um pedaço.

o porvir é agora uma gargalhada 
palavra redonda corroída, quadrada
é a vida!
na esperança dum abraço ou um pouco
do fogo do amor já quase extinto,
brasa apagada...para sempre perdida!

não minto... hoje a palavra não sai redonda
porque me sinto maré sem onda
é a vida a desdenhar-me?
«há tanto ainda por descobrir e aprender»
a luz do dia, é ainda menina a abraçar-me
olha-me o poema com medo que vá esquecer
onde não estou mais, e de onde parti com dor
numa manhã de primavera, 
com laranjais em flor
e o amor à minha espera.

natalia nuno


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

um rumor vivo...



que procuras tu de verdade 
com essa tua linguagem saudosa?
perdes-te na saudade
e vais morrendo como rosa
que na jarra passou da idade
é frágil tua palavra pronta a morrer
para quê dares-lhe continuidade?
nada és, nada hás-de ser!
como é pequeno teu mundo de ilusão
só a saudade é tua companheira
nesta morte adiada, 
que aos poucos te leva o coração

que procuras então?
se nada acontece, se a esperança já
esmorece,
um golpe de sorte?
como é frágil a tua palavra sem fulgor
disfarças o medo da morte
e a cada instante a saudade no teu 
pensamento faz rumor.

tens um sonho diferente, labareda
que se esfuma 
vives a cruzar a mente, como aguaceiro
que atravessa a bruma, sem alcançar
o sonho, atada a ti mesma, enclausurada
vives uma morte adiada.

natalia nuno
rosafogo


domingo, 29 de novembro de 2020

poema sem coração...



dentro de mim mesma rebusquei
um pouco de claridade qual milagre,
pra esquecer a solidão
em que na escuridão me tranquei
flor mirrada, ressequi ao acabar
o verão.
não me procurem na poesia
que ganhei asas e parti desta monotonia,
quero ir além dos sonhos onde nunca vivi
quero ser como o orvalho que se deita
livremente na relva, acariciando
quero ser o vento silvando,
que a minha força se erga outra vez
quero ver o cintilar da luz na água
e depois talvez, esquecer a mágoa
sou um ser inquietante no poema
as metáforas, rasgaram-me a emoção
não quero ser eu o tema
dum poema sem coração

ponho as mãos em descanso
e às letras dou liberdade
na direcção além do sonho avanço
deixo fluir a saudade.

natalia nuno
rosafogo



voltar a sorrir...



a saudade tem sempre uma lágrima
às vezes feita de mágoa que a enfeita
mas no coração sempre ela se ajeita.
trago a saudade ainda a chorar
da vida e do tempo da juventude,
trago-a na memória a ecoar
o choro que vai no coração, amiúde.
sonhava eu enternecida,
sonhos rosa, plenos de ventura
pensava ser por toda a vida
que a vida, assim vivida
eu tinha segura.
embalada num sonho empolgante
meu viver era pura singeleza
como tudo ficou longe,
- bem distante!
sem certeza, vivo agora da esperança,
e o sonho imenso é agora vago
dentro de mim sonhando a criança
e o sonho dela, que não apago.

«na cálida tarde a luz reverbera»
partem os pássaros sem se despedir
voltarão talvez na primavera
e no teu abraço ensurdecedor, ainda
hei-de sorrir.
debaixo deste céu cinzento
a memória move-se livremente
o pensamento vagueia por um trilho apagado
difícil é trazer a morte na mente
e o coração de sombras devorado.

fico procurando a minha paz
«na cálida tarde a luz reverbera»
com asas de pássaro ainda sou capaz
de chegar saudosa, à próxima primavera
deixarei as minhas angústias morrer
a saudade de novo me fará sonhar
o sonho, de criança antes de adormecer.

natalia nuno
rosafogo