nos interstícios dos meus sonhos
há roupas molhadas nos estendais
e há meninos de pé descalço risonhos
subindo às árvores
procurando os ninhos de pardais
há um cão solitário preso com corrente
ladrando em delírio de contente
o vento e a chuva não dão descanso
e o burrito carregado lá vai na frente
com seu olhar manso...
cai uma gota nos vidros da janela
o vento redemoinha as folhas caídas
só se ouve o vento e o lamento
das faúlhas humedecidas
e os meninos descalços ao abandono
ainda procuram os ninhos já sem
dono,
escuto na distãncia, uma voz conhecida
que chama por mim,
numa angústia consumida,
num silencio de luto, só eu a escuto
neste tempo presente o pavor do vazio
um labirinto de memórias fechadas
estreita-se o medo e se descrê
que as lembranças regressem ao calor
da nossa mente,
chegue a desmemória e a dor
e a vida não seja a mesma, inteiramente.
apagando-me neste sonho
como poderei saber se existo
como posso defender-me
alguém tentará compreender-me?
será que me isolo?
ou continuarei sonhadora amante
no vazio da minha existência inquietante?
grande é a minha resignação
enquanto me souber no teu coração.
natalia nuno
nunca sabemos o rumo do poema, só sabemos
como inicia, depois é um deixar, correr, como um rio
que corre ao mar...