terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

sonho que se esfuma...



atrás duma porta onde já não mora ninguém há ainda um persistente sonho que se esfuma.. não me atrevo a abri-la, ouve-se ainda o correr dos ferrolhos e o coração bate demasiado depressa, o sol escoa-se atrás dos ramos que frondosos se inclinam para o chão para logo se apagarem nas próprias sombras...sob um manto de estrelas lá continua a menina no baloiço como se nunca cessasse de baloiçar, as amendoeiras ali por perto floriram, do mais nada resta, nem auroras nem ocasos, e o que mais amava silenciou...ali onde bebia o sol e havia cânticos no ar, e os aromas gritavam, existe a buganvília talhando uma tristeza onde a sua alma navega...cada folha, cada caule, são carícias que me acolhem.

natalia nuno
rosafogo

ausência de sono...


à noite a ausência de sono leva a mente a um rumor longínquo, um rumor de água que canta, canta no rio, no telhado batendo forte, cerca a memória com linguagem dum tempo de resignação...inventam-se sonhos, dispõe-se a vida no silêncio, ouve-se o uivar do vento com insistência e é difícil calar a memória... a noite traz as sombras, já tudo dorme, menos os olhos do poeta que vai criando seu vôo da imaginação nas palavras, ouvindo o coração, as veias que se negam a adormecer, que despertam e incendeiam um mundo de sonhos perfumados e estrelas resplandecentes, como colibri vai dando asas ao seu livre pensamento e vai envelhecendo com os sais do tempo sem se aperceber que das sombras não poderá mais fugir...

natalia nuno
rosafogo

levava laranjas nas mãos...


levava laranjas nas mãos, os sóis giravam à sua volta e perguntavam-lhe: quem és tu?
- sou apenas um sonho, um leve sonho solto no esplendor da manhã... ando pela casa onde nasci, ouço um rumor de pétalas caídas das ramagens, sonâmbulas, tristes pelo chão, também sussurros de quem adormeceu para sempre, mas sua alma navega ainda por cá junto à luz sombria dos loureiros...com o vôo livre deixo-me ir até onde mora a brisa, fico despida e inconsciente entre as madressilvas, alfazemas, e a ternura das giestas... ouço ao longe os trinados de pássaros anónimos que podem ser cotovias, rouxinóis pardais ou outros mais, e eu escuto-os no espaço azul da minha memória onde se enraiza o resplendor da esperança que ainda me cabe...é árida a realidade por isso sou apenas sonho, sonho e saudade e tudo que vivi e amei, solto agora com palavras velhas estas memórias atadas, enquanto não surge o caos e a confusão e venha calar a minha mão....

natalia nuno

esfia-se a vida...



beija-lhe o rosto o último sorriso, depois esfia-se a vida em murmúrios e gestos lentos, o coração um deserto é quase uma estrela que se apaga no céu, a alma desejosa de soltar-se fugindo para o recanto mais subtil da melancolia, unindo-se à alma das coisas... como se o sonho ainda lhe pusesse estrelas nos olhos, senta-se à beira do caminho, respira o ar das resinas, ouve o rumor do vento nas giestas, observa a paixão das abelhas nas colmeias, o sol vai desaparecendo na ladeira, já a lua traz a noite, tudo tão dentro dos seus olhos a lembrá-la de tudo que amou...e assim vai segurando o vôo para que não despenhe o corpo...ou se extravie a memória.

natalianuno
rosafogo

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

manhãs de verão...



necessitava de companhia de manhãs de verão, para adivinhar o caminho ainda por descobrir, queria ausentar-se de si mesma deixar o mundo em desespero, seguir em busca do céu estrelado, escrever no chão das nuvens ficar para sempre criança...sentir os aromas da natureza, deixar a alma na corrente cristalina das águas, inundar a vida de sol, esquecer a sensação da tristeza, renovando-se na claridade da tarde, abrir o peito, deixar acordar o coração até lhe saírem flores dos olhos...e, no sangue das palavras deixar a sua dor.

natalia nuno
rosafogo

domingo, 2 de fevereiro de 2020

lamentos...



meu coração já nada espera
vive em saudade naufragado
irremediavelmente desespera
morre de saudade do passado

nem um leve vestígio d'amor
agora que as noites vêm cedo
apagam-se as estrelas, e a dor
vem esvoaçar no meu medo

ouço lá fora o pranto do vento
junto ao seu o meu lamento
a solidão vai crescendo em mim

já vago rumor oiço à distância
o eco do meu grito na infância
e a morte por aí perto de mim

natalia nuno
rosafogo


coração que já não voa...



meu coração vai pulsando
às vezes contra vontade
a pulsar sempre vai estando
nega-se a morrer de saudade

sei donde esta tristeza vem
saudade o vem consumindo
conheço-o melhor q' ninguém
hoje o amor está dele rindo!

tal como o rosto me fugiu
- e eu me enchi de tristeza!
o amor com o tempo sumiu

ave tão bela já sem graça
- com asas de gigante caídas
ah meu coração que desgraça!

natalia nuno
rosafogo



MEU CORAÇÃO PAROU...



No rosto a circundar
Rugas são de canseira
São rosas duma roseira
Que cansou e está a murchar.
Sofro e não sei porquê!
Meu sofrer é estar à espera
Talvez saiba o porquê...
Tristeza p'la vida que é efémera.
Pensamentos que desfio
Vão tomando conta dos meus dias
São dentro de mim um rio
Cantando sem descanso melodias

Passam os dedos da brisa
P'lo meu rosto...nem os sinto!
Aragem que o coração me pisa
Vem aí a dor eu já a pressinto.

Vou olhando desatenta
Já pouco há para ver!
A memória já inventa
Até o pranto que hei-de beber.

A noite já me afogou
Como a uma folha de cerejeira
Meu coração parou...
Parou de tanta canseira.
O rio onde me abandono
É meu corpo, minha morada
A voz das águas me dá sono
Fica a minha visão pesada.

Fica um silêncio penoso
Dentro da alma um ermo
Fica meu dia vagaroso
Mas logo a noite lhe põe termo.
Fico mais perto da morte
Deixo-me assim à sorte.

natalia nuno
rosafogo
imagem pintarest
poema de 2006

O CAMINHO



A minha voz não ecoa
Só a pegada dos meus passos
caminhando para quem de mim
se afasta.
Neste árduo jogo, embora doa
Me perco em teus braços
Vivo o sonho e isso me basta.

Os choupos do rio
escutam o som da água,
e o vento sopra-lhes a minha mágoa.
A minha voz não ecoa
O sol morreu,
o silêncio o coração magoa,
e eu clamo por ti Deus meu.
Aquém ouço o sino a lembrar
trazendo recado para mim
do pedaço de chão que é meu lugar
onde já floresce o alecrim.

Trago no olhos o campo florido
e o sonho maior alguma vez sonhado
e meu corpo já enfraquecido
de tanto caminho já andado.
Vejo agora a luz que já não via,
a andorinha que canta nos beirais
E faço Poesia... Senhor
até que queirais.

natalia nuno
rosafogo
12/05/2007

imagem pintarest

necessidade de sonhar...



Aqui há cheiro a mar, cabelos ao vento
o aveludado da noite a chegar
e o desejo ardente e duradoiro
de relembrar sentimentos
e a necessidade de sonhar
uma pontinha de melancolia
e a brisa salgada a fechar 
o dia.

Ao longe uma côr indefinida

ao perto um bando de gaivotas
e a promessa cumprida
de almas devotas
e a vida a impôr-se
sem expectativas
olhos baços
na areia ainda o sinal
de tantos passos.
A vivacidade das ondas
é agora menor
e eu rodeada de mar
sobrevivo e rumo
como navio na direcção certa
tudo ficou para trás
no meu silêncio a paz.

Quebram-se as ondas na praia

canta o ocaso, nasce a ternura
espero da minha memória não saia
a poesia... que é minha ventura.

O sol baixou lá adiante, 

côr de carmim
com olhar de despedida 
cada vez mais
distante, 
passou o dia por mim

natalia nuno

rosafogo
Setº de 2006