quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

lembranças de menina...


já não ouço o galo de madrugada
nem o cão a ladrar ao vento
já não colho fruta nem flor plantada
mas trago ainda os gemidos do moinho
no pensamento,e as mulheres fazendo o pão
com a farinha e fermento
já não penduro cerejas nas orelhas
nem procuro passarinhos novos nas telhas
já não ouço o barulho dos alcatruzes
nem apanho goivos liláses
nem musgo do presépio entre as urzes
nem brinco com o pião como os rapazes

já não olho os peixes no rio
por entre os junquilhos
nem ouço o eco dos meus passos
na ponte,
morreram os homens que jogavam matraquilhos
enquanto morria o sol no horizonte...
há sombras pelos campos e a praça está deserta,
a fonte sossegada
já não há moças namorando à noite pela calada
aves já não páram aqui partiram para parte incerta
já só restam janelas fechadas nem uma fresta!
ninguém por elas espreita apagou-se a vida
nada mais resta...

na aldeia agora só toca o sino da igreja
a lembrar quem se foi
nada a minha fé almeja
e a saudade é muita e dói!

ausentes estão minhas mãos e braços
e de todos que partiram, perdi os abraços
no baú que herdei, está minha velha roupa
e da cozinha ainda me vem o cheiro da sopa
o tempo tudo corrói, tudo traça
só a aldeia continua cheia de graça

pretendo manter-me viva com esta paixão
dentro de mim. escrevo-te este extenso poema
olhando o firmamento e tudo perdura
até a saudade sem fim...no coração!
perco-me por entre os laranjais
e ouço as rãs na memória dos rumores
e o piso escorregadio lembro por demais
do açude, e da roupa branca no sabão
toco flores, num avanço e recuo doce
e de novo a saudade no coração
lembrando a menina como se ainda o fosse.
e aquele pássaro ainda me canta aos ouvidos
e à noite o luar devolve-me os sentidos
ouço um murmurar que me traz tranquilidade
o murmurar duma infinita saudade...

natália nuno
rosafogo




quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

nostalgia de doer...



m'nha alma anda ao sabor dos enganos
onde será que ela vagueia agora?
sofrida com o decorrer dos anos
nem de por força morrendo
arranja sossego nesta hora.

paira no ar um rumor de noite calma
por perto uma ave canta, canta
aos ouvidos da m'nha alma
lá em cima o resplendor da lua
que a terra envolve, já pensando
no cortejo da aurora
enquanto m'nha alma por onde andará
agora...

vem do campo o aroma do relento
meus olhos verdes olham em torno
uma brisa morna, que me traz o vento
o coração em desordem do sofrer
ainda morno...
pela boca da noite fala-me a saudade
como um pássaro que anseia pela madrugada
m'nha alma onde andará de verdade?
que se recusa no meu corpo fazer morada.

natalia nuno
rosafogo


trago sinais de nada...



longe vais meu rio d'água
onde minha sede se saciava
pergunto agora pelo meu rosto
que em ti se lavava...
hoje trago sinais de nada
envelhecidos p'lo cansaço
espelho gasto que não reflecte
vou adiante passo a passo
mas a vida já nada promete.

um dia termina,
e tu rio que me viste menina
dir-me-ás adeus, nessa tarde reclinada
sobre nós,
com um canto triste e sombrio
me despeço de ti ó rio
eu, tu e o salgueiro a sós,
levo nos olhos a tua límpida água
e deixo-te com minha mágoa.

o meu nome levará a dor
e um anjo selará o nosso infinito
amor...

já não posso remontar sonhos
esqueci o cheiro da alegria
e nossos segredos bem escondidos
sabes tu, da minha pele macia
sei eu, dos salgueiros que te olham embevecidos
há ilusões e há repentes
que sou ave entre a folhagem
e em ti revejo minha imagem
meus olhos janelas baças
já de tanta fragilidade
parece-lhes ver a jovem,
de quem trazem saudade...

natalia nuno
rosafogo